Somos mais capazes de falar às crianças da nossa vida sexual do que daquilo que ganhamos ao fim do mês”, defende o economista Brad Klonz, no seu artigo ‘5 Coisas que Nunca deve Dizer às Crianças Sobre Dinheiro’.
Vivemos uma era de
democracia, mas ainda há assuntos que preferimos manter em silêncio. Se
pudermos. De facto, quem quer falar da morte a uma criança? Quantas vezes nós
próprios não sabemos as respostas... Temos medo de dizer coisas erradas, de os
angustiar, de os ‘traumatizar’. Temos medo de os entristecer, mas a vida também
é feita de emoções negativas. Facto: mantemos as crianças num mundo de algodão,
onde, se possível, elas não sofram de nenhuma maneira...
Andamos a roubar o lado
negro da vida às crianças? “Andamos”, concorda o psicólogo Eduardo Sá. “Os
psicólogos inventaram a ideia de traumatismo, uma memória que nunca desaparece.
Não havendo infâncias cor-de-rosa, todos nós crescemos tolhidos por pequenos
incidentes. Compreendo que por bondade os pais tentem evitar isso. Mas são
esses pequenos dramas que nos ajudam a crescer. E estamos a correr um perigo
terrível: estamos a criar uma geração de imunodeprimidos.”
Temos uma geração de
crianças demasiado protegidas? “Claro. Nunca houve tantas doenças
imunoalergológicas porque as crianças passaram a lavar as mãos por tudo e por
nada, deixaram de fazer aquela vacinação popular a que os nossos avós chamavam
‘a vitamina P’. E na ânsia de proteção destas experiências, também lhes negamos
as pequenas experiências de sofrimento, e assim lhes limitamos a vida. Proteger
demais não é proteger.”
É preciso viver a vida
Qual é a criança que vai
ver a avó ao lar? A quem contam histórias de fazer chorar as pedrinhas da
calçada? A quem explicam que não há dinheiro, por isso adeus computador novo?
E, no entanto, eles precisam de criar resistências: e nós não estamos a ajudar.
“São as experiências que
nos formam, que nos capacitam para a vida”, explica Eduardo Sá. “Uma
experiência de sofrimento é o melhor certificado de qualidade de uma relação.
Quando temos uma família que, chegada a hora de sofrer, não consegue legendar o
que quer que seja, chegamos à conclusão de que não a temos. E muitas vezes são
as experiências de sofrimento que nos abrem para as experiências de comunhão.
Por isso, eu tenho medo que às vezes as pessoas, de uma maneira simplista,
queiram liofilizar de tal maneira a vida que não a vivam. E arrastamos as
crianças nesse processo.”
Resultado: uma nova
geração que, aterrada de súbito na era da crise, não sabe como enfrentar os
pequenos dramas quotidianos. “Costumo dizer de forma provocatória que devia ser
proibida a entrada na universidade aos alunos que nunca tivessem tido uma
negativa...”, ri Eduardo Sá. “Temos uma ideia errada do crescimento humano.
Errar é aprender, e quando as pessoas não erram não aprendem. Preocupam--me os
alunos que nunca erraram, preocupam-me as crianças que nunca passaram por
pequenos sofrimentos. Claro que é normal protegê-los dos grandes sofrimentos,
como é óbvio, mas protegê-los de sofrer de maneira nenhuma é incapacitá-los para
o indispensável. Se o primeiro sofrimento for aos 16 anos, quando a namorada
lhe disser, ‘não quero ficar mais contigo’, eles caem verticalmente.”
Estamos a criar uma
infância analfabeta nas emoções, onde as crianças não têm essa ginástica dos
afetos, não sabem chorar nem rir... “O exemplo típico disso é a forma como as
pessoas se esqueceram de que brincar é património da humanidade. As crianças
têm um horário escolar absurdo, uma vida empanturrada de compromis++sos, como
se não bastasse os trabalhos de casa, blocos de 90 minutos de aulas separadas
por 10 minutos de recreio em que elas não têm tempo para brincar. Depois as
pessoas deitam as mãos à cabeça e falam em défices de atenção...”
Viver a tempestade
juntos
Luz ao fundo do túnel:
talvez a crise traga a consciência de que, pais e crianças, estamos todos no
mesmo barco. “É urgente recuperar a nossa humanidade”, defende Euardo Sá. “A
crise não é tanto isto que estamos a viver, é esta ideia de que basta dar
informação científica para formar uma pessoa. Mais conhecimento não significa
mais humanidade.” A maioria dos pais relaciona-se com a criança enquanto aluno
e não fala com eles das coisas mais importantes, é isso?
“Sim. A escola é tão
importante para uma criança como o trabalho na vida dos pais: é importante, mas
há coisas incomparavelmente mais importantes. E quando os pais põem a escola à
frente de tudo, estão implicitamente a dizer que eu, como pai ou mãe, não sou
um bem de primeira necessidade.”
Mas não é fácil falar às
crianças da morte e da falta de dinheiro... “O que eu acho engraçadíssimo é que
os pais passam a vida com ar consternado a dizer que as crianças acreditam no
Pai Natal, e quem acredita num mundo de fadas são os pais. As crianças
partilham o dia a dia connosco, vivem a realidade connosco. Os pais educam as
crianças num mundo narcísico, enquanto a vida real é mais simples.”
Ora bem, se a vida é
simples, vamos lá então saber: o que é que nunca se deve dizer às crianças
sobre dinheiro (lembram-se?): o primeiro ‘não diga’, segundo Brad Klonz, é ‘Não
sei como vamos pagar as contas’. Compreensível: uma coisa é saber que não há
muito dinheiro, outra é ver os pais desesperados. A segunda: ‘Não tens nada a
ver com aquilo que eu ganho’. “Não vejo onde está o mal de sermos honestos
sobre aquilo que ganhamos, muito ou pouco”, defende Brad. Pode pedir-lhes para
não o revelarem aos amigos, não por vergonha mas para evitar comparações.
Terceiro mandamento: não peça desculpa se não lhe pode dar qualquer coisa. Não
pode não pode, acabou-se. Mas explique porquê: não há dinheiro, ou pode haver
mas ser mais bem gasto noutro lado... Ensine o que são ‘prioridades’. Quinto
mandamento: evitar o silêncio. Explique de onde vem o dinheiro, como se ganha,
como se pagam as contas. Tenha uma criança financeiramente educada.
Dê respostas concretas
Pior que o dinheiro, só
o tema da morte. Mas mesmo aí, a simplicidade volta a ser a melhor arma: tem
que se explicar a morte em termos que uma criança possa entender, e isso não
significa dizer-lhe que a pessoa ‘está no Céu’, porque para eles isso
significará, literalmente, que estão nas nuvens.
“As crianças pequenas
são literais: por isso explique a morte em termos básicos”, aconselha o site
www.kidshealth.com. Se um avô morreu, pode dizer que o corpo dele deixou de
funcionar e os médicos não conseguiram consertá-lo.” Mas cuidado: é melhor não
dizer “o avô morreu porque estava doente”, ou o neto achará que, de cada vez
que tiver gripe, estará em risco iminente...
Evite eufemismos como
‘foi-se embora’ ou ‘já não está entre nós’. As crianças querem respostas
concretas. “As perguntas delas podem parecer mais profundas do que de facto
são. Quando elas perguntam – Para onde foi o avô? – não querem saber se há vida
para além da morte, querem simplesmente saber onde está o corpo. Se responder –
Está no cemitério – para eles chega”. Não chegará, obviamente, para um
adolescente mais interessado na ‘lógica’ da morte: ‘porquê ele?’ Às vezes, a
única coisa a fazer é estar próximo, e encorajar a conversa e a partilha de
ideias e perguntas: mesmo as que não têm resposta...
A verdade almofadada
E então, para resumir, o
que é que devemos esconder às crianças? “Acho
que devíamos esconder ‘A Casa dos Segredos’...”, afirma Eduardo Sá. “Tudo
o que seja uma exibição sem pudor do sofrimento ou da intimidade é pornografia,
e tudo o que é pornográfico é sentido pelas crianças como violento. Devíamos
protegê-las da falsidade, porque os pais bonzinhos tomam as crianças como seres
muito mais rudimentares do que de facto são. Temos é de separar a verdade da
crueldade, que é uma verdade sem afetos.”
Tudo o resto é admitido?
“Tudo o resto não merece poupança, porque quanto mais tardio é o nosso contacto
com a vida, mais traídos nos sentimos. Os pais não podem trair. E era muito bom
perceberem que, quando a verdade nos chega pela mão deles, é uma verdade muito
mais almofadada.”
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