terça-feira, 10 de abril de 2012

O Velho Varredor -


O Velho Varredor



Era um velho inculto e muito primitivo, mas imensamente motivado em querer dar um sentido aos últimos anos da sua existência e encontrar a verdadeira paz interior. Por isso dirigiu-se a um mosteiro e bateu à porta. Quando os monges o receberam, explicou-lhes que o devorava a ansiedade de progredir espiritualmente e encontrar a incomensurável paz interior, pedindo-lhes que lhe permitissem ficar com eles. Os monges aperceberam-se imediatamente da ignorância e falta de cultura do ancião, mas também de que era um homem de coração e com uma motivação sincera.

Não quiseram, pois, subestimá-lo. Que fazer? Não estava nem sequer preparado para ler as escrituras ou seguir os cerimoniais. Decidiram então permitir-lhe, para que ficasse no mosteiro, que se convertesse no varredor do pátio e encarregaram-no simplesmente de varrer o pátio todos os dias. O ancião aceitou muito agradecido. Os meses passaram. Todos os dias, atenta e primorosamente, o ancião varria o pátio, evitando que ficasse a menor sombra de lixo.
Paulatinamente, os monges começaram a aperceber-se de que se estavam a verificar evidentes mudanças no ancião: ternura contagiante, os olhos irradiavam afecto e todo o seu ser exalava uma paz inefável. A que se devia tudo aquilo? Qual era o seu segredo, interrogaram-se os monges, uma vez que todos eles com os seus ritos e leituras sagradas, não tinham conseguido essa mutação tão desejada, essa energia de afecto e imparcialidade que o ancião inspirava? Por isso decidiram perguntar-lhe abertamente:

- Qual o teu segredo, ancião? Praticas algum rito especial, segues algumas instruções em concreto?
- O ancião, com grande humildade, disse:
- Não fiz nada de especial, respeitáveis monges, creiam-me. Não fiz outra coisa, além de, como todo o amor e sossego, varrer pacientemente o pátio, como se, cada vez que varro o lixo, visualizasse que me libertava do meu lixo interior (o ódio, a raiva, o rancor) e que ia ficando limpo para que surgissem o amor e a compaixão.

Podem executar-se as actividades com atenção esmero e amor, ou de uma maneira imprecisa, feia e trapaceira. A atenção consiste em atender, e ao atender já uma parte de nós entra em contacto com o objecto da atenção mais plenamente e há outra qualidade de consciência e outra atitude. Até uma chávena de chá ou uma salada se podem preparar com afecto e atenção, ou sem nenhum interesse e mecanicamente. Mas se além do mais a atenção for praticada com um sentido de karma - yoga, torna-se muito transformadora.

Faz-se o melhor que se pode, sem nos deixarmos encadear pelos resultados, quer dizer, obra por amor à obra e não obcecado com os seus frutos. Faz-se com consciência, superando assim o lado mecânico. A acção mais é mais altruísta, muito mais desinteressada e livre de agitação.

Conto retirado do livro "O Livro do Amor" de Ramiro Calle


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